sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Quem nunca sentiu medo que atire a primeira pedra

Quer saber de uma coisa? Todo mundo tem medo, uns têm medinhos, outros medões, mas no fundo tudo é medo puro e simples. Sentimos medo de manhã, às vezes à tarde e muito mais à noite, não necessariamente nessa ordem.


MEDO de não ver o pôr-do-sol, de não poder ir à praia no domingo, de jogar a bola para fora do gol, da areia quente, de que o chope esquente ou a onda arrebente.

MEDO de cair, de sair, de se divertir, da felicidade, da fatalidade, da bala perdida, da fome, de ter e de perder, seja lá o que for!

MEDO de trair e ser traído, de perder o grande amor, de amar e não ser amado, de dizer adeus, de partir, de mudar, de renovar, de dizer eu tem amo!

MEDO de bruxa, de escuro, do bicho-papão, do vento, da ventania, do relâmpago e do trovão.

MEDO da morte: a sua, do seu amigo, do seu filho e a dos seus pais.

MEDO de esquecer o que foi bom, de enlouquecer, de não viver, do prazer, de querer sempre mais e nunca mais parar de querer.

MEDO do terror, dos terroristas, dos que manipulam os horrores humanos, dos que adoram o poder, de não poder com esse tipo de gente.

MEDO de envelhecer, das rugas, dos cabelos brancos, da osteoporose, da menopausa, da calvície, de virar pó e da certeza de que a vida é uma só.

MEDO de experimentar coisas novas, uma melhores e outras piores, mas o que vale é o movimento, somente o que está morto não se move.

MEDO de olhar no espelho; do fracasso, da decadência, da não-reação, do marasmo, da acomodação.

MEDO de falar a verdade, de não ter verdades pelas quais lutar, de magoar, de brigar, de perdoar.

MEDO de não ter o filho desejado, de não vê-lo crescer, de vê-lo adoecer, de não vê-lo feliz.

MEDO do chefe que grita, que não elogia, que não explica, que não brinca, que só xinga, que assedia.

MEDO da solidão, da rejeição, do telefone que não toca, da palavra não dita, do “mico” não pago, da alucinação da paixão, do beijo não roubado, da dor do amor não correspondido, das velas não apagadas, do grito não ecoado depois do sexo em perfeita comunhão.

MEDO da diferença, da indiferença, da arrogância, do desprezo, da ignorância, do preconceito, do politicamente correto, do jeitinho brasileiro, da corrupção, da inflação, da humilhação, da falta de profissionalismo dos políticos, da inveja, da tristeza, das escolhas, do seu corpo, do passado, do presente e do futuro.

MEDO da gastrite, otite, sinusite, faringite, meningite, hepatite, celulite e tudo o que é “ite”.

MEDO da responsabilidade, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, do recomeço, de cantar, de dançar, das crenças, das encrencas, de dar e receber opinião, de ter voz e voto, de não ter voz e voto, de aturar gente de má índole, de má vontade e sem educação.

MEDO de casar, de se divorciar, de casar de novo, de não poder mais voltar. Medo de se perder, de endurecer o coração, de não sonhar e de nunca mais se achar.

MEDO de errar, de não ter o que dizer, de falar demais, de se calar diante da covardia, de engolir o choro da emoção, de não crer e não ter fé em Deus, em si e na vida.

MEDO da enchente, de não gostar de gente, do ladrão, de não ser o único e virar nenhum na multidão.

MEDO de pensar “inho” e acabar tendo uma vidinha cercada de gentinha, de perder o emprego, de nunca mudar de emprego por puro medo da mudança, medo da mediocridade e da maldade.

MEDO da ditadura, do neoliberalismo, do comunismo, do nazismo, do radicalismo, da guerra, da bomba de Hiroshima, de Nagasaki, do tsunami, do Katrina, da chacina, da rebelião, do vandalismo, da escravidão, da sofreguidão, da falta de poesia, da realidade nua e crua.

E, por fim, o medo de não ter coragem para enfrentar tudo isso, mesmo que isso não tenha fim...

Ana Beatriz Barbosa da Silva


Retirado do livro Mentes com Medo

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